Carreira Ética

Três Visões em Conflito

Em 2011, quando escrevi este texto originalmente em inglês, achei que fui bem sagaz em comparar o famoso filme “The Good, The Bad and the Ugly”, estrelado por Clint Eastwood, Lee Van Cleef e o narigudo Eli Wallach – dirigido em 1966 pelo celebrado diretor Sérgio Leone (sim, adoro cinema), aludindo aos três pontos de vista conflitantes sobre códigos QR (quick response codes). Infelizmente, este jogo de palavras não funciona tão bem nesta versão. O título em português, “Três Homens em Conflito”, como sempre não traduz o contexto original do filme. Em resumo, me dei mal. Usar algo como “O Bom, o Mau e o Feio” simplesmente não tem o mesmo efeito, embora sustente muito bem o tema original.

Mas vamos focar no contexto da tradução: mesmo que diferentes, tais pontos de vista sobre códigos QR não são necessariamente “conflitantes”.

Códigos QR estão no mercado já faz algum tempo.

Pelo que pude averiguar (me submetendo a Wikipedia, como todos nós), foram criados pela empresa Denso-Wave, em 1994, uma subsidiária de Toshiba para manter um registro de veículos e peças na linha de produção – da mesma maneira que um armazém mantém o inventário de seu estoque sob controle, por meios eletrônicos.  QR codes consistem – tradicionalmente, de quadrados justapostos, formando um padrão em preto-e-branco, centralizados dentro de bordas regulares de um quadrado maior, este aplicado sobre uma superfície de fundo branco para gerar contraste. Fica muito parecido com uma cruza esquisita de imagem “pixealizada”, característica dos primórdios da web, com linguagem alienígena de filmes de ficção científica – ou mesmo um borrão hi-tech. Mas até faz muito sentido no contexto da escrita pictográfica (lembrando que boa parte da cultura asiática baseia suas estruturas de linguagem em símbolos, tais como os kataganas e kanjis japoneses).

A principal característica do código QR é que funciona razoavelmente bem na maioria das circunstâncias, mesmo em formatos experimentais. E este é seu maior diferencial, o que talvez explique sua aparente alta taxa de adesão – principalmente pelos usuários finais, que criam seus próprios códigos (em sites gratuitos) e os implementam de variadas maneiras. O curioso é que estas criações ditas “amadoras” são, por vezes, mais bem aplicadas do que aquelas geradas por iniciativa de algumas  empresas. Fazer um código QR não é difícil. Agora, descobrir “o quê” se deve fazer com ele, isto é o que torna o processo um verdadeiro desafio. Afinal, quando o colocamos em uma peça impressa, um website, ou outra superfície que possa ser escaneada, é algo que não dá para não notar: é mesmo um “patinho feio” que salta aos olhos.

Mesmo sendo visualmente pouco atraente, já podemos notar sua presença em diversas publicações, tais como jornais, pôsteres em salas de cinema, placas de imobiliárias, e mesmo em camisetas e em muitas embalagens. Eu coloquei um em meus cartões de visita, para impressionar os clientes que sabem do que se trata, e fazer com que acessem meu site, através de um smartphone.

Mas eles realmente funcionam?  Ou se trata de mais um modismo amadorístico, quando todo mundo copia todo mundo, e mal?

De modo a entender melhor as características e o potencial dos códigos QR, tentei analisar a questão sob três pontos de vista (olha aí o gancho com o filme):

1)    Visão técnica:

BOA: funciona bem melhor do que os tradicionais códigos de barra, os quais não armazenam tantas informações. Códigos QR podem conter enredemos na web, imagens, vídeos, etc.

RUIM: pode ser complicado de escanear, se a qualidade da imagem estiver baixa; testei o modelo sobre uma série de condições e superfícies, e descobri que aquelas muitos reflexivas (como em papel laminado) prejudicam o processo. Um contraste fraco, causado por pouca iluminação, também pode atrapalhar. Se o aparelho móvel estiver com lentes embaçadas ou com pouca resolução, isso pode ser mais um fator de impedimento.

FEIA: repito, este código é feio que dói. Mas é isso que o torna viável, sua aparência pixealizada, com bordas brancas, e todo quadriculado.

2)    Visão de marketing:

BOA: códigos QR são fáceis de produzir, e há diversas ferramentas gratuitas online indicadas para esta finalidade. Podem ser incorporados em quase todas as mídias, sejam elas impressas, eletrônicas, digitais ou “alternativas”, bastando uma superfície adequada (quem disse que não podemos aplicar um código QR em, por exemplo, um bolo de aniversário, anunciando dados sobre a festa? Talvez não desse tempo para testar, se for comido rapidamente). Esta mídia está se tornando popular como poucas.

RUIM: quando a estratégia dá errado, não há meio termo. E não quero dizer que “não funcionam”; o problema não está na identificação técnica do conteúdo do código, e sim em agregar real valor ao consumidor, recompensando pelo esforço empregado. É importante adequar tanto a forma quanto o conteúdo para a tela de um aparelho móvel (seja um smartphone/feature phone ou um tablet), permitindo uma visualização e navegação otimizadas ao máximo. Agora, a questão mais relevante de todas, está em atender (e até ultrapassar) as expectativas do consumidor. Após todo este trabalho, ele não pode ficar desapontado. Desta forma, profissionais de marketing devem amarrar muito bem a estratégia associada a esta ferramenta, entregando o que foi prometido: um conteúdo relevante e que faz com que o consumidor se mantenha interessado e ativo.

FEIA: muitas empresas já tentaram adaptar a estética dos códigos QR ao design das peças nas quais são veiculados. Muitas vezes, isso reduz drasticamente a eficiência dos mesmos, embora os torne relativamente mais atraentes. Não é uma boa troca, e pode desmontar uma campanha completamente. É apenas uma opinião pessoal, mas existem meios criativos de integrar um “patinho feio” destes em uma peça bem produzida, e até usar este contraste a favor da campanha. Dá muito mais trabalho, e o time de criativos vai ficar cheio de raiva com isso, mas certas coisas simplesmente não têm solução melhor.

3)    Provável visão do usuário / consumidor final:

BOA:  é muito bacana obter “rich media” e conteúdo dinâmico em seu dispositivo móvel, aonde quer que esteja e sempre que desejar (presumimos haver uma conexão). Aproveite esta demanda reprimida e dê uma reforçada no mix de comunicação.

RUIM: pode ser um grande desafio emocional e intelectual – já observei pessoas relativamente inteligentes e capazes tentando escanear o código com a ferramenta de câmera do celular, e depois reclamar que esta coisa “não serve pra nada”. As empresas devem estar preparadas para orientar seus consumidores.

FEIA: “o quê diabos é isso aí?!” é uma frase que já ouvi inúmeras vezes. Quase sempre quando mostro meu cartão profissional, e o “enorme borrão” impresso no verso. Não tem problema, pois ouvir este e outros criativos comentários é algo sempre interessante. Até compensa ver a expressão no rosto deles, quando mostro como funciona.

Já faz algum tempo, ao participar de fóruns de discussão sobre este tema (o assunto é bastante popular), alguns exemplos de casos muito interessantes me foram apresentados. Nestes, a criatividade e excelente compreensão de “como agregar valor” ao usuário tornaram certas empreitadas um tremendo sucesso, em meio a tantas outras mal executadas e/ou mal planejadas. O melhor deles foi o da Coréia do Sul, onde uma empresa de supermercados local, a Tesco, precisava competir com os gigantes do setor, mas dispunha de poucas lojas físicas. Desta forma colocou, em painéis de metrô e estações por onde seus consumidores transitam, imagens de seus produtos tal qual estão dispostos nas prateleiras das lojas, reproduzindo condições similares encontradas nas mesmas. Utilizando scanners em seus smartphones, seus consumidores puderam selecionar produtos e comprá-los diretamente via “mobile commerce”, já inclusos o frete e serviços de “delivery” (pressupostamente baseados em um pré-cadastro).

É preciso compreender as características sociais do consumidor sul-coreano: trabalham feito loucos, não têm tempo para compras, e estão sempre correndo. Ou seja, uma solução que permite eliminar uma tarefa indesejada, porém inevitável (no caso, ir ao supermercado), e que pode ser agora incorporada com outra tarefa, a de se locomover de e para o trabalho, obtendo uma “economia de tempo” e agregando valor à logística do consumidor final. Enquanto esperam pelo próximo vagão, este sistema permite aos sul-coreanos fazerem suas compras. Benefícios adicionais podem ser considerados, caso as compras via m-commerce reduzam o estoque em loja, aumentem o volume de vendas total e tenham um impacto positivo nos custos fixos da empresa.

“No quesito originalidade, o  Facebook levou a melhor nota: seus empregados pintaram um código QR gigante no teto do prédio. Pena que não faz nada de mais, apenas abre um “coming soon…”. No quesito atender expectativas, a nota é baixa.”

No Brasil, poderíamos até implementar uma campanha parecida, caso as condições fossem ideais: centros como São Paulo sofrem de uma crise de locomoção crônica, porém o público consumidor potencial não utiliza (acredito eu) o metrô, tanto pela cobertura oferecida pela restrita malha urbana, quanto pela baixa utilização do mesmo em função de uma “cultura automotiva”. Questões de segurança também devem ser consideradas, além de baixa cobertura de sinal para haver uma conexão confiável. Ainda não estamos no nível dos sul-coreanos, mas isso pode mudar. Mesmo com um volume de assinaturas pré-pagas bem maior ( 81,9% em fev 2012, segundo o site Teleco ) do que as pós-pagas, as quais geralmente incluem pacotes de dados em seus planos, muitas operadoras já oferecem pacotes de acesso do tipo “recarga”, um modelo bastante popular entre a crescente classe C brasileira.

Dentre os pontos que podem promover um futuro “comércio móvel” nos grandes centros urbanos, posso citar a popularização de smartphones. De acordo com a ComScore, o acesso à internet realizado por meio de dispositivos móveis (são smartphones e tablets, quase na mesma proporção) aumentou quase 300% ao longo de 2011, embora ainda represente um volume pequeno do total de conexões: 1,5%. Segundo relata um artigo no Estado de São Paulo, a venda de smartphones deve superar, em receita, a dos celulares comuns – quanto tempo até que superem também em volume?

Aparelhos móveis deverão possuir a capacidade de identificar e ler os códigos QR. Para tal, devem estar munidos dos aplicativos adequados. A melhor solução é serem comercializados já com estes aplicativos embarcados (a Vivo, líder do setor, já está fazendo isso). Finalmente, é necessária uma evolução na profissionalização dos desenvolvedores de campanhas e de conteúdo, tanto por parte dos anunciantes quanto das agências, que precisam planejar campanhas mais eficientes e inovadoras.

Já possuímos uma estrutura de “delivery” bastante eficiente, e meios de pagamento online já possuem uma boa adesão, como por exemplo o Paypal, que entrou no Brasil em virtude do crescimento do e-commerce nacional, assim outros provedores de serviços de pagamentos locais, como o Pag Seguro, que funcionam bem e já foram adotados por um público crescente (segundo a ComScore, que registrou em 2011 um crescimento de 35% na audiência dos sites de varejo brasileiros).

É uma mídia que se pode considerar como “recém descoberta”, embora já tenha quase 20 anos de existência. Conhecer bem o contexto no qual a comunicação vai empregar esta ferramenta é o primeiro e o mais importante passo. Planejar usando códigos QR é entender, como já dizia Raul, o “começo, o fim e o meio”. O começo e o fim, estes estão quase sempre muito claros tanto para os profissionais de marketing quanto para os consumidores, embora nem sempre sejam os mesmos. O meio, neste caso, é o mais difícil de encontrar.

Mathias Carvalho

Mathias Carvalho

Especialista em mídia digital, desde 1997 trabalhando com planejamento estratégico e gerenciamento de projetos digitais. Professor no MBA em Ger. de Projetos FGV. Doutorando na Rennes SB/FRA, focado em jogos sérios. Mestrado em Marketing Internacional pela UNLP/ARG; MBA em Gerenciamento de Projetos e CEAG pela FGV. Certificados PMP, PRINCE2 e SFC.

Deixe seu comentário

Clique aqui para publicar um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.